Sobre o autor e a obra
Moshe Chaim Luzzatto, também conhecido como Ramchal, foi um rabino que viveu de 1707 a 1746, ou seja, apenas 39 anos e, apesar desse pouco tempo, fez muito.
É conhecido por ter sido um dos fundadores da poesia hebraica moderna. Aos 11 anos de idade dominava completamente o Talmude e com 14 escreveu o livro Lashon Limudim. Foi bastante polêmico entre os eruditos de sua geração, pois afirmava que “… os homens se dedicavam ao estudo, mas não à essência da vida. Mesmo os mais religiosos e sábios não procurariam a verdadeira integridade e a profunda devoção a Deus” (pp. 10-11).
Aliás, esse ponto de vista foi o que o motivou, aos 33 anos, a escrever o livro objeto deste texto: O caminho dos justos.
Ao contrário de outros livros em que há divagações acerca de Deus e do mundo espiritual, O caminho dos justos é um livro prático, com o objetivo de guiar o homem na busca de um caráter de integridade, santidade e devoção.
Sobre essa obra, os estudiosos disseram: “sem conter sequer ‘uma única palavra supérflua’” (Gaón de Vilna – 1720 a 1797) e ainda “Messilat Iesharim [O caminho dos justos] deve ser sua bússola” (Chaim de Volojin – 1749 a 1821).
Isso nos dá um indicativo da relevância desses ensinamentos para nossas vidas.
Poucas pessoas conseguiriam dispor de tempo para ler uma obra rabínica do século XVIII e até mesmo para entender alguns conceitos judaicos.
Então, a ideia é compartilhar a informação básica sobre o caminho que o autor indica como o necessário para ser uma pessoa “justa”, no sentido de “correta aos olhos do Criador”. É um desafio selecionar partes de um livro do qual se disse que não há “uma única palavra supérflua”.
Introdução
Em primeiro lugar, deve-se ter consciência de que “os sentimentos de santidade, temor e amor a Deus e a pureza de coração não estão enraizados na pessoa de forma natural a tal ponto que não necessite esforços para adquiri-los” (p. 16), assim, “… o que responderemos no dia do julgamento se fraquejarmos neste estudo e deixarmos de cumprir a essência do que o Eterno, nosso Deus, espera de nós?” (p. 17).
“Se não nos aprofundarmos e analisarmos as questões sobre o que constitui, de fato, o temor a Deus e suas derivações, como será possível consegui-lo e como poderemos escapar das futilidades terrenas que levam nosso coração a esquecê-lo?” (p. 17). É importante a lição de “Salomão (Pv 2:4): ‘Se você o buscar como quem busca a prata e o procurar como quem procura um tesouro, então você compreenderá o temor a Deus’. Ele não diz que ‘então você compreenderá a filosofia’; ou ‘então você compreenderá a medicina, a astronomia ou o direito legal’. Percebemos, então, que, para que o temor a Deus seja compreendido, ele deve ser buscado tal como a prata ou procurado como um tesouro” (pp. 17-18).
É o mesmo que disse Moisés, em Deuteronômio 10:12: “‘E agora, Israel, o que pede de ti o Eterno, teu Deus? Senão que O temas, que andes por Seus caminhos, O ames e O sirvas, com todo o teu coração e com toda a tua alma; que guardes Seus mandamentos e Seus estatutos…’. Nesta frase se encontram todos os aspectos da perfeição no serviço Divino, realmente apropriados em relação ao Altíssimo, louvado seja. Ou seja: temer a Deus, caminhar por Seus caminhos, dedicar-Lhe amor e devoção e cumprir Seus mandamentos” (p. 18).
O temor a Deus não é algo de pouco valor, devemos ter “temor à Majestade do Santíssimo; temê-Lo como temer-se-ia um poderoso rei, anulando-se a cada momento ante Sua grandiosidade…” (p. 18). E “‘trilhar Seus caminhos’ engloba tudo que está relacionado com o desenvolvimento e a correção dos predicados de caráter” (p. 19).
Já, por amor, devemos ansiar “que o amor pelo Eterno seja implantado no coração de cada um, para que se eleve sua alma e busque fazer o que agrada ao Santíssimo…” (p. 19).
Quanto à “devoção”, o sentido é “que o serviço ao Eterno seja caracterizado pela pureza de intenção, e que sua finalidade seja somente servi-Lo e nada mais” (p. 19). Por fim, sobre o cumprimento dos mandamentos, devemos entender o “cumprimento de todo o conjunto…” (p. 19).
O dever do homem no mundo
O fundamento da santidade e a perfeição naquilo que se faz para Deus dependem de se ter claro o dever neste mundo e a meta à qual deve estar voltada toda a atenção.
A raça humana foi criada com o propósito de se alegrar em Deus e se satisfazer “do esplendor de sua Presença” (p. 21). Apesar de esse estado de pleno gozo e contemplação no Eterno poder ser integralmente atingido apenas no Mundo Vindouro, a estrada para alcançá-lo está aqui neste mundo (p. 21). Ou seja, são as escolhas e atitudes nesta existência terrena que determinarão o lugar na eternidade.
“Por isto, o homem foi colocado primeiro neste mundo para que, por estes meios, que lhe são proporcionados aqui, ele possa ser capaz de alcançar o lugar que lhe foi preparado – o Mundo Vindouro, onde será recompensado pelos méritos adquiridos através das Mitsvót” (p. 21).
Esse, e apenas esse, tem que ser o objetivo da vida, tudo o mais não passa de distração, vaidades, falsos valores, decepção e vazio.
Neste mundo há constantes provações e muitas coisas contribuem para afastar de Deus. Tanto a abundância quanto a falta de bens materiais são perigosas. De fato, há uma guerra, tanto à frente como na retaguarda. Apenas quem conseguir, com o autodomínio, reprimir as inclinações malévolas, os desejos pecaminosos, e evitar tudo aquilo que afasta de Deus é que será aprovado e contado como íntegro e fiel.
A finalidade da criação do homem
Importante ficar claro que “… o homem foi criado não para sua estada neste mundo, mas para sua permanência no Mundo Vindouro, sendo a primeira etapa apenas um meio para alcançar a segunda, que é a meta final” (p. 23). “Este mundo é como um corredor em direção ao Mundo Vindouro – Avot, 4,21” (p. 21).
Aliás, é irracional acreditar que a permanência num mundo com tanto sofrimento, doenças e mazelas de todos os tipos, em que a vida não passa de algumas décadas, possa ser o propósito da criação do homem pelo Eterno. Se é apenas esse o propósito, por que receber uma alma tão valiosa, que até os anjos exaltam?
O homem foi criado para que um dia possa estar no Mundo Vindouro, mas é neste mundo terreno que tem condições de alcançar seu galardão. Então, é apenas por isso e nessa medida que se deve amar este mundo, por preparar o caminho para um lugar muito melhor.
O cuidado em andar nos caminhos de Deus e cumprir sua vontade deve ser tanto quanto ou muito mais ainda do que o dos negociantes de ouro e pedras, que com rigor pesam e avaliam seus produtos.
“Disto depreende-se que a essência da existência do homem neste mundo é o cumprimento das Mitsvót, o serviço a Deus e a resistência às provações, e que os prazeres da vida deveriam prestar-se apenas a ajudá-lo, proporcionando-lhe a alegria e a paz mental necessárias à libertação de seu coração para a dedicação aos objetivos de que foi incumbido” (p. 25).
Para ajudar no cumprimento desse propósito divino, baseando-se nos estudos do Rabi Pinchas ben Iair, Ramchal aborda os estágios necessários: a precaução, a presteza, a integridade, a separação, a pureza, a devoção, a humildade, o temor ao pecado e à transgressão, e a santidade.
“A Torá leva à precaução e esta conduz à dedicação; a dedicação leva à integridade e esta conduz à separação; a separação leva à pureza e esta conduz à devoção; a devoção leva à humildade e esta conduz ao temor pelo pecado; o temor pelo pecado leva à santidade e esta conduz à Inspiração Divina que, por sua vez, nos conduz à Ressurreição dos Mortos” (Rabi Pinchas ben Iair) (p. 20).
Doravante, Ramchal aborda diversos aspectos positivos (fazer) e negativos (não fazer) que afastam ou aproximam o ser humano de seu Criador e, de modo muito claro, apresenta ferramentas que podem ajudar os que desejam se empenhar nessa empreitada.
Precaução
Nesse capítulo, Ramchal aborda a necessidade de se “precaver” com relação não apenas ao pecado em si, mas a situações que possam levar à transgressão, o que exige que cada um reconheça as próprias fraquezas, de modo a estabelecer limites mesmo dentro do que é lícito, mas que, entretanto, não convém, seja por si mesmo ou pelos outros.
“O conceito de Precaução indica que o homem deve ser cauteloso em suas ações e empreendimentos; isto é, que ele pondere e esteja vigilante tanto em relação a seus atos como a seus caminhos, avaliando-os de forma a não sujeitar sua alma a perigos (Deus não permita!), e que não se conduza simplesmente por impulsos estabelecidos por hábitos, tal como um cego em total escuridão. Este é o comportamento exigido por sua inteligência. Considerando que o homem possui conhecimento e capacidade de raciocínio para salvá-lo e afastá-lo do perigo da destruição de sua alma, acaso seria concebível que ele, intencionalmente, ficasse cego à sua própria salvação? (…) Quem age assim é inferior às bestas e aos animais selvagens, que por sua natureza procuram se proteger, afastar-se e fugir de tudo aquilo que lhes pareça perigoso ou ameaçador” (p. 27).
Deve-se ter consciência de que o inimigo de nossas almas trabalha constantemente para que não se tenha tempo (Ex 5:9) ou mesmo para que não se perceba a necessidade de frequentemente realizar uma autoanálise acerca do caminho que se está trilhando. Ele é astuto e pode facilmente nos enganar, porém temos um Deus sempre ao nosso lado (Sl 37:32-33). Jeremias já se queixava dessa aparente cegueira em que as pessoas vivem, sem refletir para onde seus caminhos as estão levando (Jr 8:6).
Esse permanente cuidado é uma obrigação (Ag 1:7 e Pv 6:4) e consiste na verificação crítica de todo nosso cotidiano para sinceramente extirpar qualquer ato ou hábito que seja contrário aos mandamentos de Deus e aumentar os que são bons e significam mérito. Cada um deveria separar um tempo diário para fazer essa valiosa autorreflexão. Provérbios 4:26 orienta: “Reflete sobre a trajetória de teus pés e todos os teus caminhos serão firmes”. Busquemos e pesquisemos nossos caminhos e então retornaremos a Deus.
Ainda nos Provérbios (4:19) a Palavra diz que “O caminho do maldoso está coberto por negras trevas; ele nem sequer sabe o que o faz tropeçar”, o que significa que uma pessoa que está envolta em maus sentimentos e objetivos perversos nem conseguirá avaliar seus próprios atos, pois as “negras trevas”, isto é, a escuridão, têm dois efeitos:
1) fazer com que não se enxergue o que há na frente; em outras palavras, a pessoa não reconhece os obstáculos e problemas que tem e terá no caminho que está seguindo; e
2) fazer com que não se consiga identificar corretamente as coisas, confundindo-as; assim, pratica-se o mal, acreditando ser algo bom.
Segundo Ramchal, o que mais ajuda a despertar em si a necessidade de precaução são a leitura e o estudo da palavra de Deus. Esse hábito desperta o anseio por uma vida de santidade, levando à bem-aventurança, conforme disse Salomão em Provérbios 28:14: “Feliz é o homem que sempre teme”. Teme o quê? O pecado. O temor de Deus leva a temer o pecado e a ser precavido.
Diante da evidência da necessidade de constante afastamento do pecado, alguns podem questionar o porquê de um nível tão elevado de santidade, pois basta a salvação, pouco importando se serão mais recompensados ou não no Mundo Vindouro. Os que assim pensam se lamentarão ao se surpreender com algumas pessoas que conquistaram lugares elevados na eternidade e ao saber que elas próprias poderiam desfrutar de semelhante nível de gozo e júbilo. No entanto, elas já não poderão fazer nada mais para melhorar sua situação, conforme ensina o rei Salomão em Eclesiastes 9:10: “Tudo o que a tua mão puder fazer, faze-o com empenho; pois no mundo dos mortos, para onde vais, não existe trabalho, nem reflexão, nem sabedoria, nem conhecimento…”.
A autorreflexão que leva ao afastamento das más atitudes (precaução) também é importante diante da severidade do julgamento pelo qual passaremos, quando não apenas as transgressões mais graves, mas todas elas serão levadas em consideração e influenciarão as recompensas agradáveis ou desagradáveis a serem recebidas. Salomão afirma: “Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más” (Ecl 12:14).
Diante de tudo isso, alguém pode questionar acerca da misericórdia, que é um dos atributos do Eterno. Se o julgamento é severo e se todas as atitudes serão consideradas, onde está a misericórdia divina?
Ora, é justamente pela misericórdia divina que não somos imediatamente consumidos como punição por nossos pecados. A misericórdia do Eterno se revela em sua paciência para conosco, dando-nos tempo e chance de demonstrarmos genuíno arrependimento e retorno ao caminho correto.
“Ou seja, quando aquele que se arrepende reconhece sua transgressão e admite ter pecado, passando a refletir sobre o mal praticado e se penitencia, desejando fervorosamente que aquele ato jamais tivesse sido praticado, tal como desejaria que certa promessa jamais tivesse sido formulada, levando-o a um completo arrependimento, fazendo-o lamentar o ato que jamais deveria ter sido praticado e sofre em seu coração uma grande angústia por já tê-lo praticado, e no futuro dele se afasta e foge – então o ato praticado será erradicado e creditado, levando-o à expiação” (p. 39).
Por isso, deve-se buscar desenvolver um verdadeiro hábito de precaução, pois, quanto menos pecados, menos sofrimento aqui ou no Mundo Vindouro.
Apesar da consciência acerca da importância de se precaver contra o pecado, ainda é muito difícil conseguir isso. Três obstáculos destacam-se: as atividades e os envolvimentos terrenos; o sarcasmo e a leviandade; e as más companhias.
Atividades e envolvimentos terrenos
Veja o conselho do Talmude: “Reduza as suas ocupações e ocupe-se com a Torá” (Avot 4,10). Uma pessoa completamente ocupada com as coisas terrenas não consegue tempo adequado para se dedicar ao estudo da Palavra de Deus e para a prática das boas obras. Isso vale até mesmo para atividades terrenas consideradas lícitas e justificáveis, pois, dependendo da quantidade, até mesmo elas podem se tornar pedra de tropeço e fazer com que a pessoa não tenha tempo para se relacionar com o Eterno, por meio da leitura de sua palavra, da oração, da ajuda a quem precisa, do tempo para a análise dos próprios atos, por exemplo.
Existe um ciclo virtuoso, porque a leitura da Palavra de Deus fortalece em nós a necessidade da precaução com relação ao pecado.
Sarcasmo e leviandade
O sarcasmo, a leviandade e o riso fácil são obstáculos difíceis de vencer porque “afeta(m) de tal forma o coração da pessoa, que o sentido e a razão deixam de prevalecer, fazendo com que ela se torne como um bêbado ou um tolo simplório que, por não estar apto a aceitar uma direção, impossibilita seu aconselhamento. Como disse o Rei Salomão, que a paz esteja com ele (Ecl 2:2): ‘Em relação ao sarcasmo concluí: ‘É loucura!’, e em relação à alegria me perguntei: ‘A que conduz?’” (p. 43).
Ainda que a pessoa tenha completa consciência dos efeitos danosos de seu pecado, tanto para esta como para a vida no Mundo Vindouro, a frivolidade faz com que perca o temor de Deus. A pessoa passa, pouco a pouco, a afastar de seu coração as censuras e reprovações, fazendo com que deixe de fazer uma autoavaliação de suas atitudes, de maneira que apenas com um julgamento punitivo de Deus é que poderá retornar ao caminho (p. 43). “Preparados estão os juízos para os escarnecedores e os açoites, para as costas dos insensatos” (Pv 19:29).
Más companhias
Mesmo que já se tenha cultivado a prática de uma vida de santidade, buscando a conexão com Deus por meio de Sua Palavra, de orações, de jejuns, de boas obras etc., as más companhias exercem uma influência que pode, pouco a pouco, enfraquecer a vida de precaução e, por fim, ceder ao pecado.
A Bíblia alerta para esse perigo: “Quem anda com os sábios será sábio, mas o companheiro dos insensatos se tornará mau” (Pv 13:20); “Foge da presença do homem insensato…” (Pv 14:7); “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores” (Sl 1:1); “Não me tenho assentado com homens vãos, nem converso com os homens dissimulados” (Sl 26:4).
Presteza
Estabelecida a precaução em não fazer aquilo que desagrada o Criador, convém tratar da presteza, que significa a dedicação, a agilidade, o fervor, o entusiasmo em cumprir os mandamentos divinos. Em Salmos 34:14 está escrito: “Aparta-te do mal e pratica o que é bom…” (p. 47).
Da mesma forma que o mal incentiva a fazer o que é errado, esforça-se também em impedir de fazer o que é certo. Por isso, em ambas as situações, é necessário empenho e inteligência.
Um dos grandes empecilhos para a presteza no cumprimento dos mandamentos é a preguiça. Sobre ela, a Bíblia faz alertas: Provérbios 24:30 e Eclesiastes 10:18. O próprio rei Davi demonstra que a presteza fazia parte de seu caráter (Sl 119:60): “Apressei-me, nem por um momento me detive, a fim de cumprir Teus mandamentos” (p. 50).
CONTINUA…
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